Na última terça-feira (15/12/2020), em sessão semipresencial, o Senado aprovou o PL 2.963/2019, de iniciativa do Senador Irajá (PSD-TO), o qual busca disciplinar a aquisição, todas as modalidades de posse, inclusive o arrendamento, e o cadastro de imóvel rural em todo o território nacional por pessoas físicas e jurídicas estrangeiras, compreendidas como aquelas constituídas e estabelecidas fora do território nacional, ressalvados os casos de sucessão legítima.
Em breve síntese, o Projeto objetiva regulamentar em novas bases legais o art. 190 da Constituição Federal (CF/1988), que determina que a lei regulará e limitará a aquisição ou o arrendamento de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira e estabelecerá os casos que dependerão de autorização do Congresso Nacional.
Os defensores do projeto sustentam que, até o momento, a aquisição de terras no Brasil por estrangeiros é envolta em controvérsias jurídicas em torno da Lei 5.709, de 1971, anterior à Constituição federal de 1988, e desatualizada frente à realidade das empresas transnacionais e oportunidades de entrada de capital estrangeiro favorável ao desenvolvimento da cadeia produtiva agrícola de longo prazo.
Os senadores favoráveis ao projeto apontam que um marco legal mais consistente e atual para a regulamentação do art. 190 da Constituição Federal seria saudável para a economia brasileira ao liberar empresas estrangeiras da limitação de aquisição ou arrendamento circunscrita a imóveis rurais destinados à implantação de projetos agrícolas, pecuários, industriais, ou de colonização vinculados aos seus objetivos estatutários. Se aprovado pela Câmara, o PL 2.963/2019 abriria espaço para empreendimentos rurais de maior escala, atraídos pelos recursos de terras férteis, água e tecnologia existentes à disposição do agronegócio brasileiro.
Para os críticos, o PL 2.963/2019 estaria eivado de malefícios, entre os quais: risco à soberania e patrimônio nacional; margem para legalização de fraudes na aquisição de terrenos; ampliação dos impactos socioambientais pela especulação de terras; não coibiria violações como grilagens e expropriações; falta de mecanismos para assegurar o abastecimento do mercado interno – ocasionando uma ameaça de desabastecimento e insegurança alimentar para a população em razão da instalação de grandes empresas exportadoras no Brasil; ameaça de aumento no preços das commodities.
A proposta também estabelece a obrigação para que a terra cumpra a função social determinada pela Constituição, como o aproveitamento racional e a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente, sob pena de desapropriação.
O PL 2.963/2019 recebeu parecer favorável do senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), com emendas, e segue para votação na Câmara dos Deputados.
Principais Regras
O Projeto dispensa autorização ou licença para aquisição e posse por estrangeiros, quando se tratar de imóveis rurais com áreas não superiores a 15 módulos fiscais (art. 6º). A soma das áreas rurais pertencentes e arrendadas a pessoas estrangeiras não poderá, no entanto, ultrapassar 25% da superfície dos municípios onde se situarem (art. 8º).
De acordo com o Projeto, estarão sujeitas a aprovação do Conselho de Defesa Nacional (CDN) a aquisição de imóveis rurais ou de qualquer modalidade de posse quando as pessoas jurídicas forem organizações não governamentais, fundos soberanos, fundações e outras pessoas jurídicas com sede no exterior (art. 3º, incisos I ao III).
Também terão de passar pelo Conselho pessoas jurídicas brasileiras constituídas ou controladas direta ou indiretamente por pessoas, físicas ou jurídicas, estrangeiras, quando o imóvel rural se situar no Bioma Amazônia e sujeitar-se a reserva legal igual ou superior a 80% (at. 3º, inciso IV).
As aquisições por estrangeiros de imóveis situados em área indispensável à segurança nacional também deverão obter o consentimento prévio do Conselho de Defesa Nacional (art. 9º).
Ficam vedados a estrangeiros: qualquer modalidade de posse por tempo indeterminado, arrendamento ou subarrendamento parcial ou total por tempo indeterminado e habilitação à concessão de florestas públicas destinadas à produção sustentável. Essa concessão, no entanto, é permitida para pessoa jurídica brasileira constituída ou controlada direta ou indiretamente por pessoa física ou jurídica estrangeira (art. 4º, § § 1º e 2º).
Essas vedações não se aplicam quando a aquisição de imóvel rural se destinar à execução ou exploração de concessão, permissão ou autorização de serviço público, inclusive das atividades de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica ou de concessão ou autorização de bem público da União (art. 4º, § 3º).
O texto atribui competência ao Congresso Nacional para autorizar, mediante decreto legislativo, a aquisição de imóvel por pessoas estrangeiras, além dos limites fixados em lei, quando se tratar da implantação de projetos julgados prioritários, em face dos planos de desenvolvimento do país, mediante manifestação prévia do Poder Executivo (art. 12).
Cadastro
Os estrangeiros deverão obrigatoriamente lavrar escritura pública para aquisição do imóvel e os cartórios de registro de imóveis deverão manter registro especial, em livro auxiliar, das aquisições de imóveis rurais pelas pessoas físicas e jurídicas estrangeiras.
O relator apresentou emenda para que a identificação do adquirente do imóvel seja acompanhada, no caso de pessoa jurídica, de informações relativas à estrutura empresarial no Brasil e no exterior, declaradas sob pena de falsidade ideológica, conforme previsto no Código Penal.
O art. 17 do Projeto altera a Lei 5.868, de 1972, que cria o Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR), para estabelecer que os cadastros serão informatizados e, ressalvadas as informações protegidas por sigilo fiscal, serão publicados na internet, garantida a emissão gratuita de certidões das suas informações com autenticação digital.
O banco de dados do SNCR terá sua base de dados atualizada com as informações prestadas pelos contribuintes no Documento de Informação e Atualização Cadastral do ITR – DIAC, a que alude o art. 6º da Lei nº 9.393 de 19 de dezembro de 1996, independentemente de qualquer providência dos contribuintes.
Segundo o Projeto, um regulamento próprio deverá unificar o SNCR, criado pela Lei 5.868, de 1972, e o previsto na Lei 9.393, de 1996. A informatização e a gestão desse cadastro unificado deverão ter também uma base única, integrada com a base de dados das juntas comerciais e demais órgãos que disponham de informações sobre a aquisição de direitos reais por estrangeiros ou por pessoas físicas ou jurídicas brasileiras constituídas ou controladas por pessoas privadas, físicas ou jurídicas estrangeiras.
Capital estrangeiro
O art. 15 do PL 2.963/2019 modifica a Lei 4.131, de 1962, que disciplina a aplicação do capital estrangeiro e as remessas de valores para o exterior.
Segundo o Projeto, os recursos financeiros ou monetários introduzidos no Brasil por pessoas físicas e jurídicas estrangeiras, ou quando objeto de reinvestimento para a aplicação em atividades econômicas que envolvam a aquisição e o arrendamento de áreas rurais em território nacional, estarão sujeitos à legislação que regula a aquisição de imóveis rurais por pessoas estrangeiras.
Revogação
O art. 16 do Projeto propõe a revogação da Lei 5.709, de 1971, que regula a aquisição de imóvel rural por estrangeiro residente no país ou pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil. Por outro lado, convalida as aquisições e os arrendamentos de imóveis rurais celebrados por pessoas físicas ou jurídicas brasileiras constituídas ou controladas, direta ou indiretamente, por pessoas privadas, físicas ou jurídicas, estrangeiras, durante a vigência dessa lei.
Outras emendas
No total, foram apresentadas 22 emendas ao Projeto, tanto no Plenário como na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). O relator rejeitou cinco emendas apresentadas em Plenário, acatou integralmente 13 emendas apresentadas na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e na Comissão de Agricultura (CRA) e parcialmente outras três.
Uma das emendas deixa expresso que as empresas brasileiras que adquiram imóveis rurais e sejam constituídas ou controladas por pessoas privadas, físicas ou jurídicas estrangeiras, sujeitam-se ao dever de cumprimento da função social da propriedade.
Outra emenda modifica a Lei 6.938, de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional de Meio Ambiente. Segundo o novo texto, estados e municípios deverão disponibilizar, em um sistema informatizado aberto, o zoneamento ecológico-econômico sob suas respectivas jurisdições, juntamente com os critérios da divisão territorial e seus conteúdos, com o objetivo de assegurar as finalidades, a integração e a compatibilização dos diferentes níveis administrativos e escalas do zoneamento e do planejamento territorial.
Além disso, o órgão ambiental competente deverá observar os critérios da divisão territorial e seus conteúdos definidos pelo ente municipal ou estadual no zoneamento ecológico-econômico, quando houver, para expedição de licenças ambientais relacionadas ao uso e à exploração de imóveis rurais.