Sobre a viabilidade do uso de créditos judiciais transitados em julgado para a quitação de tributos federais

19 de novembro de 2024

Muitas consultas são formuladas acerca deste tema, o qual exige especial atenção e foi tema do Momento Consult nº 109, disponível no YouTube.

 

 

Analisando o básico, que é o texto constitucional de 1988 – CRFB/1988, o artigo 100 realmente permite o uso de créditos reconhecidos por sentença transitada em julgado, próprios ou de terceiros (inclusive precatórios), para fins de quitação de parcelamentos, pagamento de dívida ativa ou o uso em programas de transação tributária. Contudo, o mesmo texto revela que é facultado à União Federal-UF, Estados e Municípios usar destes meios alternativos para a quitação de tributos, o que exige que cada qual edite lei específica do tema. Não é algo autoaplicável, dado que a regra é o pagamento em dinheiro. Qualquer forma alternativa depende de lei expressa.

 

 

A análise será restrita às previsões para a quitação de tributos federais[1], o que se faz a partir da Lei 9430/1996, da Instrução Normativa 2055/2021, c/c a Portaria Codar nº 46, de 18 de abril de 2024, que, objetivamente, preveem:

  • Conforme o caput do art. 74 da Lei, admite apenas o crédito decorrente de sentença transitada em julgado, com origem em discussão tributária, para quitar débito também tributário (com isso já se afasta a possibilidade de uso de créditos de natureza comum, alimentar, indenizatório e outros);
  • Só admite créditos próprios, vedando o uso dos de terceiros (art. 74, § 12, II da lei);
  • Permite compensar com débitos próprios na RFB os tributos vincendos (art. 74, caput) e não permite o emprego destes créditos para pagar parcelamentos ou dívida ativa (art. 74, § 3º, III e IV), afora outras previsões específicas igualmente restritivas;
  • Há trava para a utilização de créditos quando este supera o valor de 10 milhões de reais (art. 74-A da Lei);
  • A Dcomp marca o início de contagem do prazo de 5 anos para fins de homologação tácita ou expressa (art. 74, § 5º da Lei);
  • Se exige habilitação prévia dos créditos a compensar (art. 102 da IN), para então poder ser apresentada a Dcomp.

 

 

Embora sucinta a exposição do que se permite ou não, é preciso também ressaltar que atos como o de habilitação prévia dos créditos antes da entrega da primeira Dcomp não significam, de modo algum, o reconhecimento do mérito ou da origem dos créditos, dado tratar-se de ato meramente formal, protocolar, de comprovação de início de prova material quanto à existência do crédito. Basta que se verifiquem estes julgados do CARF (Processos nº 10283.720248/2012-67, 16327.001673/2010-14, p.ex.) ou do STJ (REsp n. 1.309.265/RS).

 

 

Exame de mérito, propriamente, apenas haverá após a apresentação da primeira Dcomp, quando a RFB avaliará a origem do crédito, aferirá base de cálculo, alíquotas, legitimidade, o que poderá se dar no prazo de até 5 anos contados desta apresentação, conforme art. 150, § 4º do Código Tributário Nacional – CTN, c/c o art. 74, § 5º da Lei 9430/1996).

 

 

Também se esclarece que não se pode reconhecer como legítimo o crédito por decurso de prazo (homologação tácita), pois esta surte efeito apenas para a compensação específica realizada, que será extinta por medida de segurança jurídica (não se admite que o contribuinte fique à mercê do fisco por prazo indefinido).

 

 

Igualmente salutar é destacar que a Lei 9430/1996 e atos infralegais (IN e Portaria) são normas específicas, as quais não podem ser superadas por aplicação de normas gerais, como é o caso do Código Civil Brasileiro-CCB. Trata-se do Princípio da Especialidade, em que lei específica não pode ser afastada por aplicação de norma geral.

 

 

Sabe-se que o discurso da economia tributária é sedutor, mas tal qual posta a situação, é altamente provável a glosa da compensação após a primeira apresentação do Dcomp em se tratando de créditos de terceiros ou cuja origem não seja fruto da discussão de uma relação tributária. Para afastar dúvidas sempre se recomenda consulta ao profissional de confiança, como é o caso do Contador ou do Advogado, valendo a pena colher a opinião de mais de um antes de qualquer decisão.

 

 

Para auxiliar na compreensão e extensão do problema que isto pode causar, seguem sites para fins de leitura complementar:

[1] Estados e municípios demandam consultas às leis locais.