No último dia 19 de abril, o Supremo Tribunal Federal (STF) proclamou o resultado do julgamento final dos embargos de declaração da Ação Direta de Constitucionalidade 49 (ADC 49)[1] “para modular os efeitos da decisão a fim de que tenha eficácia pró-futuro a partir do exercício financeiro de 2024, ressalvados os processos administrativos e judiciais pendentes de conclusão até a data de publicação da ata de julgamento da decisão de mérito”.
A referida Ação reconheceu, já em 2021[2], a situação de não-incidência nas transferências de mercadorias entre estabelecimentos de um mesmo contribuinte, declarando a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do art. 11, § 3º, II, da Lei Complementar nº 87/1996 (Lei Kandir), excluindo do seu âmbito de incidência tais situações, e estabelecendo a eficácia somente a partir do exercício financeiro de 2024, a partir dos embargos declaratórios opostos pelo Estado do Rio Grande do Norte, autor da citada ADC.
Frise-se que da decisão original, na relatoria do Ministro Edson Fachin, ficou reconhecido o direito de manutenção dos eventuais créditos existentes no estabelecimento remetente, uma vez que “o termo ‘operação’ é entendido como um ato mercantil de comercializar mercadorias, as quais, por sua vez, são bens e objetos destinados à comercialização. ‘Circulação’, conceito sobre o qual recai as maiores divergências, deve ser interpretado como um negócio jurídico em que há mudança da titularidade da mercadoria”.
Desta forma, sendo um mero deslocamento, ainda que se trate de circulação interestadual de mercadoria, não configuraria o fato gerador do ICMS, não se aplicando, ao caso, a vedação constitucional dos créditos descrita no art. 155, § 2º, II[3] do texto magno, uma vez que o decisório deixou claro não se confundir tais transferências sem débito com os institutos da isenção ou da não incidência, justamente porque tais deslocamentos não configurariam uma saída tributada à luz da lei.
Ressaltamos, como dito acima, que o tema deverá ser regulado pelo Congresso Nacional, até o início do exercício de 2024, quando a não-incidência será efetivada de forma plena nas transferências entre estabelecimentos de uma mesma empresa, sabendo-se de antemão da existência de projetos de Lei Complementar nas duas casas legislativas para ajustá-lo à essa nova perspectiva jurisprudencial, no âmbito da Lei Kandir, e que deveriam, sob nossa ótica, demandar também a questão do aproveitamento dos eventuais créditos existentes no remetente em vista da regra do inciso II do mesmo § 2º do artigo 155 da CF/88, fato ainda não tratado em qualquer um dos referidos projetos.
Alertamos que, a pretexto das intenções legislativas, até o momento (PLP 148/2021, PLP 36/2023 e PLS 332/2018), não se detectou, ainda, tal preocupação, indicando-se, até o presente instante, que tal situação, se for tratada, poderá ser regulada por meio de Convênios no âmbito do CONFAZ[4], o que, por obvio, admitindo-se uma tendência restritiva dos entes tributantes, sugere um potencial viés de futura discussão judicial, que nos deve manter em estado de atenção, exigindo planejamento adequado e sustentável dos interessados.
Tal preocupação se justifica, na medida em que, a regra de aproveitamento de crédito é norma impositiva no texto constitucional, envolvendo o sério problema do pacto federativo brasileiro, que é único em termos mundiais[5], e que, em vista da decisão ora comentada, precisa ser reordenada em nosso sistema tributário de forma a contemplar as regras constitucionais e manter o sistema organizado, o que é uma tarefa complexa que tende a não agradar a nenhuma das partes envolvidas e, por certo, gerará atritos naturais dos muitos interesses envolvido, seja dos contribuintes ou dos entes tributantes.
Observamos, portanto, que a predita decisão não considerou tal possibilidade, e, que, sem o devido tratamento do poder legislativo nacional, certamente resultará em muita discussão ainda, sinalizando a qualquer interessado que deseje aplicar imediatamente a decisão, que deverá assegurar-se, não só de orientações precisas em vista deste norte apontado, como de eventuais medidas judiciais garantidoras cabíveis àqueles que pregam o imediatismo do novo entendimento, uma vez que haverá uma tendência natural de autuação e embargos por parte das administrações fazendárias estaduais/distrital, sob a alegação de que a modulação estabeleceu a não-incidência “apenas” a partir do exercício de 2024.
José Julberto Meira Junior – OAB/PR 15.765 (Consultor Escritório Curitiba)
[1] STF. Disponível em https://shre.ink/QbpD. Acesso em 20 abr. 2023.
[2] STF. Disponível em https://shre.ink/Qd7L. Acesso em 20 abr. 2023.
[3] “Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (Redação da EC 3/1993)
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II — operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; (Redação da EC 3/1993)
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2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (Redação da EC 3/1993)